Posts tagged ‘literatura’

Canção de Ninar

Madrugada chuvosa, o casal dormia pesado. Desde a chegada do filho que não sabiam bem o que era uma boa noite de sono… ou de sexo. O rádio-relógio marcava três e quinze da manhã quando ouviram um choro vindo do quarto do bebê. A mãe agarrou-se ao travesseiro e fingiu chorar ela também de desespero. O pai entendeu o recado. Levantou-se. Lá estava o bebê: olhos abertos, um chorinho manhoso:

– Canta?

Cantar… E agora? A mãe que era boa nessas coisas. Mas depois da discussão do dia anterior prometera ser mais presente. Puxou pela memória:

Bicho-papão sai de cima do telhado
Deixa o menino dormir sossegado

O filho olhou assustado. Bicho-papão não parecia algo bom. O pai pôs os neurônios para recuperarem outra.

Nana nenê
Que a cuca vem pegar
Papai foi pra roça
Mamãe foi trabalhar

Nessa, foi o pai que assustou. O nenê está sozinho e ainda vem a cuca pegá-lo? Deu razão para o filho quando voltou a chorar. “Calma, calma. Outra!”, disse.

Sambalelê tá doente
Tá com a cabeça quebrada
Sambalelê precisava
É de umas boas palmadas

Nessa o filho gritou. Nem tanto pela cabeça quebrada, pois não entendeu direito. Mas as ‘boas palmadas’ assustaram de verdade. “Meu Deus, quem inventou essas músicas? Ah, tem mais uma!”.

Boi boi boi
Boi da cara preta
Pega esse menino
Que tem medo de careta

O choro aumentou. Do outro quarto a mãe já perguntava se estava tudo bem. “Tudo bem! Estou cantando e ele já vai dormir!”, mentiu. Imaginou um boi de cara preta entrando no quarto fazendo careta. Teve um calafrio.

A canoa virou
pois deixaram ela virar
foi por causa do menino
que não soube remar

Atirei o pau no gato-to
Mas o gato-to não morreu-reu-reu

Marcha soldado
Cabeça de papel
Se não marchar direito
Vai preso no quartel

O cravo brigou com a rosa
Debaixo de uma sacada
O cravo saiu ferido
E a rosa despedaçada

O pai não acreditava no que cantava. Não lhe vinha à mente uma única canção que não fosse trágica. A mãe já estava parada na porta com olhar de reprovação. O menino engasgava com o choro.

O pai agachou-se no chão próximo ao filho, pôs a mão no seu rosto e disse em tom melodioso:

Dorme, meu filho
Não há o que temer
Papai e mamãe te amam
Nada vai te acontecer

Era o que precisava ouvir. Silenciou e fechou os olhos aliviado. O pai pegou a mãe pela mão e foram para a cama, triunfantes.

22, janeiro, 2008 at 9:00 am Deixe um comentário

Dezoito Onças

A bicharada está agitada. Hoje é um dia importante que vai mudar o destino de duas das onças do zoológico. Ninguém mais aguenta essa situação. Com a mata pegando fogo em tudo quanto é lugar, a gente acaba tendo que se aproximar dos vilarejos e daí, já viu, acabamos sendo pegos. Foi-se o tempo em que os humanos tinham medo de nós. Ou melhor, ainda têm, mas inventaram umas traquitanas difíceis de escapar. Acabamos parando nessas jaulas. Não é de todo ruim, é verdade, comida à vontade, ausência de perigos, vida tranqüila, mas a superpopulação começou a incomodar.

Quando cheguei eram apenas eu e mais três onças pintadas. Pessoal gente boa, receptivos. Mas isso foi há alguns anos. Hoje somos dezoito. Dezoito! O espaço ficou pequeno. Correr ficou difícil, nadar no tanque nem se fala. A turma fica espalhada pelos cantos, dormindo a maior parte do dia. Tem até revezamento para se espichar na toca.

A coisa começou a ficar feia quando colocaram com a gente as três onças negras. Todo bicho no zoológico fica com seus semelhantes, mas nós tivemos que conviver com esses outros aí. Acho que pensam que somos todos iguais. No dia que os três chegaram foi a primeira vez que alguém atacou um dos tratadores. Um onça-jovem, cabeça quente, quis mostrar a indignação. Nem foi pra machucar de verdade, mas o rapaz ficou um tempão sem aparecer e, quando voltou foi cuidar dos avestruzes. Por um lado foi bom. O veterinário achou que estávamos ficando mais violentos, que era estresse, que as condições não estavam boas. Apontou para um gorducho deitado perto da árvore e disse que até obesidade estava aparecendo por aqui. Resolveram dar um jeito na situação.

Naquela época, éramos vinte. O diretor conseguiu que o zoológico de São Paulo ficasse com dois de nós; pelo menos foi o que se comentou quando um casalzinho jovem foi levado embora. Mas depois disso, ninguém mais teve a mesma sorte. Onça dá trabalho, dizem. Precisa de espaço (obviamente) e comem muito. Os outros zôos se contentam com uma ou duas.

Quem acabou nos ajudando, mesmo sem saberem, foram as jaguatiricas, aqueles animaizinhos irritantes. A fêmea ficou prenha e teve um filhote. A notícia correu. Parece que o zôo do Rio de Janeiro estava precisando de uma, pois a que tinham lá estava velha e ia morrer logo, e pediu para o diretor ceder a recém-nascida. Foi aí que surgiu a tal idéia genial, que os funcionários chamavam, rindo, de “venda casada”: só levariam o filhote se levassem também três onças. Três era muito, já tinham três por lá, o máximo que podiam fazer é ficar com duas fêmeas. Duas fêmeas não, imagina, os machos aqui já eram maioria, ia desequilibrar muito. Fecharam em um casal. Mas impuseram condições. Queriam a fêmea mais jovem, o macho escolheriam quando viessem buscar o filhote.

A jovenzinha mal suportava a felicidade. Ficou até esnobe, rejeitando os afagos rotineiros do pessoal. Andava pela jaula como que escolhendo quem seria seu parceiro de viagem, pois circulou um boato que seria selecionado o macho que tivesse maior afinidade com a moça. Lorota, claro.

O pessoal começou a fazer contas. Dos dezoito, subtraiu-se as três onças negras. Aparentemente, nem por lá queriam elas. Fêmeas pintadas eram seis. Dos nove machos, um estava doente, quatro eram muito velhos e nem mesmo o gorducho acreditava na sua chance. Sobramos três, sendo eu o mais velho. Os outros dois eram o cabeça-quente e um que tinha uma mancha preta que cobria todo o olho direito. Os dois estavam em forma… Precisei quebrar a cabeça para reverter o jogo a meu favor.

O veterinário chegou e as onças já começaram a se posicionar. O olho-preto se pôs sentado, com o peito estufado. Quer se mostrar forte e saudável. O cabeça-quente, sabendo da sua fama, deitou-se com a barriga pra cima, dócil, dócil. A jovenzinha passou por mim abanando o rabo e já está do lado da entrada da jaula. Eu fico por aqui mesmo, deitado ao lado da grade.

Já faz meia hora que ele está olhando para nós, fazendo sua escolha. Finalmente pede para os tratadores abrirem a porta da jaula. Um dos tratadores trás uma haste comprida com um laço na ponta, o outro um rifle com tranquilizante. O rifle incomoda as onças. A maioria tinha levado um tiro dele ao ser capturada.

Vão direto pra jovenzinha, que não reage e os acompanha feliz. Daqui a pouco eles vão voltar para pegar o macho, tenho que ser rápido.

Irei até o cabeça quente e falarei com um riso sarcástico que a jovenzinha confessou-me ontem haver escolhido o olho preto, que vai acabar sendo mesmo o escolhido quando eles voltarem, afinal é o mais bonito de nós três. Olharei para o cabeça quente com cara de “eu te disse” e ele vai se descontrolar e partir pra cima do olho preto. Os dois vão se engalfinhar, um dos dois levará um tiro de tranquilizante, mas os dois estarão suficientemente machucados para não poderem partir. O veterinário, para não perder a viagem, vai olhar em volta e me escolher. Afinal, não sou tão pior que os outros dois. Ou sou?

29, junho, 2007 at 3:04 pm Deixe um comentário

Conversa de Homem

O banheiro da casa era um lugar insólito para aquela conversa, mas era o único lugar onde podiam tê-la tranquilamente. Dentro do possível, tentavam manter-se sérios, ainda que um ou outro temiam que quando as vozes começassem a reverberar nas paredes forradas de azulejos brancos poderiam cair na gargalhada.

Foram se ajeitando como dava. Um escorou-se na pia, outro cruzou as pernas no chão, outro fez do cesto de lixo um banquinho. Maurício trancou a porta e arrumou-se no tampo almofadado da privada. Começou.

– Precisamos conversar. Algumas coisas terão que mudar daqui para a frente.

– Mudar? Como assim?

– Mudar… Não dá mais para mantermos a vida que temos levado até agora. Veja você, por exemplo…

– Eu? – Assustou-se o que estava sobre o cesto de lixo, tentando arrumar algum conforto no assento improvisado, para desespero do que estava encostado na pia, que olhava para baixo e tapava a boca com a mão para não rir.

– Sim. Não vai mais ser possível continuar com a academia, as aulas de tênis e o futebol. É muito! Vamos ter que cortar alguma coisa.

– Cortar? Bem, veja, não dá para parar a academia. Já não sou mais criança, preciso da academia para me manter em forma. Você sabe que é uma luta para não deixar os pneuzinhos aparecerem!

– Concordo, é justo. Mas as aulas de tênis… não vai dar.

– Tá falando sério? – Desistiu do cesto de lixo e ficou em pé, com a mão apoiada no registro de água quente. O da pia olhou para cima e suspirou aliviado.

– Desculpe.

– Justo agora que eu estava jogando melhor… O futebol também?

– Acredito que não… Mas duas vezes por semana é muito. Escolha um dia, está bem?

– Posso ao menos continuar assistindo aos jogos de futebol pela televisão?

– Sim, claro! Também somos filhos de Deus! O futebol na TV de quarta é sagrado.

O do cesto de lixo, agora o do registro de água quente, levantou as sobrancelhas e torceu a boca, resignado. Maurício esboçou um sorriso de agradecimento e compaixão e virou-se para o que estava no chão. Teve que afastar as pernas e ficar olhando para baixo. O da pia olhou para a porta para não rir.

– Quanto a você, também teremos que fazer alguns ajustes.

– Eu? Que ajustes? Vai querer que eu trabalhe mais? Olha: eu dou um duro danado na empresa.

– Não, exatamente o contrário! Precisa dar um jeito para chegar mais cedo em casa.

– Calma aí! Não é assim! Você acha que eu trabalho até tarde porque quero? Desde que o Marcão foi tranferido, estou fazendo o trabalho de dois! Quer que eu seja demitido?

– De forma alguma. Mas acredito que seja possível ser um pouco mais eficiente. Chegar mais cedo, ser mais organizado, encurtar o horário do almoço… Vamos concordar que se você fizer menos pausas para tomar café dá para ganhar no mínimo meia hora.

– Toc, toc, toc. Maurício?

– Só um minuto, Ana, por favor. – Voltou-se para o do chão. – Como estava dizendo, faça uma lista das tarefas no trabalho, seja mais metódico e tenho certeza que vai conseguir chegar em casa antes das oito.

– Ok, vou tentar, mas saiba que não vai ser fácil.

– Eu entendo e agradeço muito o esforço.

O da pia já antevia que não vinham boas notícias.

– E quanto a mim? Qual é a bronca? – Lançou um olhar de despeito.

– A tua situação é a mais difícil. Não vejo como você continuar aqui. Você terá que nos deixar, sinto muito.

– Eu? Ir embora? Tá me zoando? Não se lembra de tudo por que passamos?

– As coisas mudaram agora, entenda. Todas aquelas noitadas e bebedeiras? É impossível! E aquele bando de mulheres ligando todo dia, então? É muito arriscado e, para falar a verdade, não faz mais sentido.

– Ah… Agora não faz mais sentido, é? Engraçado… Quando comemos aquelas duas irmãs juntas, parecia que fazia sentido para você. E também não me lembro de você reclamando daquela rave regada a vodka e você-sabe-mais-o-quê.

– Passou. Já era. Vou guardar as lembranças, claro, mas não quero mais.

– Não consigo entender. Como você mudou… Tudo por causa dela?

– Sim, por ela.

– Vai valer a pena?

– Tenho certeza que sim! Eu a amo, é tudo o que eu quero agora.

– Espero que você não se arrependa do que está fazendo.

– Maurício, está tudo bem?

– Oi, já estou saindo.

– O que você estava fazendo trancado no banheiro? Estava falando sozinho?

– Nada, Ana, nada. Estava pensando alto.

– Bem… vamos?

– Vamos, vamos. Que horas são? Nossa! Estamos atrasados.

– Estou ficando preocupada. O casamento já está aí e ainda tem um monte de coisas pra resolver.

26, junho, 2007 at 8:47 pm Deixe um comentário

A Ladeira da Lapa

A Ladeira da Lapa desce íngreme serpenteando o bairro, com casas simples de um povo humilde. A pobreza faz o tempo passar mais devagar por lá: automóveis com ar condicionado, TV a cabo, portão elétrico, interfone, nada disso se vê. A molecada brinca na rua, pipas enroladas nos fios, futebol, pião e bolinha de gude no campinho e, claro, carrinhos de rolimã, com os rolamentos que o seu Manoel da mecânica da rua de baixo arruma para as crianças.

– Quem chegar primeiro escolhe o time!

– O último é goleiro!

Carrinhos descendo a toda velocidade, criançada inconseqüente. Vento balançando os cabelos, sorriso careado, o som dos rolimãs no asfalto precário.

– Hahaha! O Tonico vai pro gol!

Vai nada. Na curva ele passa todo mundo. O carrinho é bem cuidado, põe graxa sempre nas esferas, faz a curva sem frear, deixando os trouxas pra trás. Levanta a cabeça, fecha os olhos, sente a glória batendo no peito.

Pega eu agora, cambada!

Dona Zenilda vem atravessando a rua com o carrinho de feira. Tenta correr, a idade não deixa, Tonico joga o carrinho de rolimã para o lado, franze o rosto, derrapa, capota, rala-se todo, acerta o carrinho de feira, que tomba e espalha as frutas pela ladeira. Lá embaixo pivete abandona o pião para chupar mexirica sem cerimônia.

A velha ralha, a mãe puxa a orelha, vai de castigo para o quarto.

Acorda de manhã com algazarra na rua.

– O Marquinho ganhou um vídeo-game!

Engole o café da manhã de qualquer jeito, beija a mãe, sai correndo. Na casa do Marquinho, um bando de criança na sala ao redor do brinquedo novo.

– Eu primeiro!

– Depois eu!

Campinho vazio, rolimã enferrujando, pipa rasgada, Dona Zenilda atravessa a rua, tranqüila. A Ladeira da Lapa nem parece mais tão inclinada assim.

25, junho, 2007 at 9:29 pm 1 comentário

A Boneca sem Cabeça

Sentiu uma zonzeira e abriu os olhos a custo. A visão começou a desembaciar e um gosto ácido veio à boca. Estava deitada no chão e, na tentativa de reorganizar as idéias, balançou a cabeça algumas vezes. Nada. Não se lembrava da queda ‑ se é que havia caído ‑ tampouco identificava algo ou alguém familiar por perto; ouviu um ruído irritante e contínuo que a fez sentir-se mal. Tentou esquecê-lo ‑ definitivamente não era o seu maior problema àquela altura ‑ mas o som entrava pelos ouvidos e a enjoava.

Situação estranha acordar em um lugar desconhecido, sem saber como havia ali chegado. Fora a mão dolorida, sentia-se bem. Ao que lhe constasse, não sofria de desmaios ou males súbitos. Situação estranha.

Procurou uma posição mais confortável, sem ainda se aventurar a ficar em pé. Sentou-se e por ali ficou, com as pernas cruzadas, mesmo porque em pé, sem saber para onde ir, só lhe restaria sentar novamente.

‑ Pense! – ordenou a si mesma, mas o ruído irritante a perturbava, dificultando o raciocínio. Queria silêncio, precisava de respostas, mas só sentia um vazio que pesava na sua cabeça. Olhou à frente buscando um caminho, mas as árvores do parque eram paredes de um labirinto sem saída.

Concluiu que não sairia daquela sozinha; precisava de ajuda. Vasculhou os bolsos a procura de um telefone celular, sem ainda estar certa de a quem telefonaria. Nada encontrou, pelo menos nada que lhe fosse útil, pois, por mais confusa que estivesse, sabia que um punhado de moedas e alguns papéis amassados não a tirariam daquela agonia. A opção era gritar e torcer para que alguém a ouvisse. Gritar e chorar.

Chorar… Sim, um choro; o som irritante era um choro, um choro de criança. Voltou-se para trás, na direção do som, e deparou-se com uma menina.

A menina a fitava assustada e confusa. Parecia perdida e imobilizada pelo medo. Queria correr, mas tinha que ficar ali, para não deixar sua mãe furiosa.

‑ Qual o seu nome? Está perdida? Onde está sua mãe?

O choro intensificou-se. Soluçava, trazendo sob um braço uma boneca sem cabeça e nas mãos a cabeça decepada. Tinha uns quatro anos, idade mais do que suficiente para entender suas perguntas e respondê-las. Mas ela se limitava a chorar. E como chorava!

‑ Que inferno!

Pelo menos já sabia que gritar de pouco adiantaria. Se não acudiram essa criança que berrava a plenos pulmões não seriam seus gritos que surtiriam efeito. Levantou-se resignada. Pegaria a criança pela mão e sairia por aí, sabe lá Deus em que direção, buscando alguém. Com sorte encontraria os pais da criança. Diria “Conhecem essa menina? É sua filha? Pronto, toma. Encontei-a por aí vagando. Estava assustada, coitada, não parava de chorar. A propósito, sabem como faço para chegar à minha casa?”.

‑ Querida, pode parar de chorar. Venha, vamos encontrar seus pais. – Disse docemente, estendendo o braço para que a menina pudesse pegar na sua mão. Mas, para sua surpresa, a garota recuou dois passos, encolheu os braços sobre o peito e, como se isso fosse possível, apertou o choro. A enxurrada de lágrimas se misturava com o muco que corria do nariz e o caldo resultante melava o rosto e pingava grosso sobre o vestidinho florido.

‑ Vamos. Não precisa ter medo.

Berros.

‑ Chega. Também estou em apuros.

Urros.

– Fica quieta! Não aguento mais esse choro!

Soluços.

‑ Cala a boca! – Gritou irritada e tentou agarrar à força a garota, que reagiu se debatendo enlouquecida.

Aquilo era demais para alguém que mal sabia quem era. Com que direito aquela criança insolente negava a ajuda de quem tinha problemas mais sérios que uma mãe perdida ou uma boneca quebrada? Descontrolou-se por um momento e, como aquela orquestra desgovernada teimava em tocar descompassada e desafinada, deu um tapa no rosto da garota.

De repente, entre o desferimento do golpe e o impacto, lembrou-se:

‑ Marina, minha filha!

Lembranças invadiam seu cérebro com a força do ar que adentra uma aeronave quando uma janela se rompe. Relembrou do passeio no parque com Marina e como a menina ficara quando a cabeça da boneca nova fora arrancada por acidente. Tentara acalmá-la, compraria outra boneca, não havia razão para desespero.

Viu sua menina cambalear para o lado com a força da agressão e não entendeu como pôde ferir alguém a quem amava tanto.

Marina silenciou-se por um segundo, meio que engasgada pelo choro, meio que assustada pelo tapa que levara. A mulher percebeu que ela recuperava o fôlego e que em breve choraria novamente.

Tomada pela culpa e pela covardia, a mãe atirou-se ao chão, envergonhada. Pouco a pouco sua mente foi se esvaziando. Dormiu aliviada e acordou alguns segundos depois.

Sentiu uma zonzeira e abriu os olhos a custo.

24, junho, 2007 at 12:32 pm Deixe um comentário


Cadê o texto que eu vi aquele dia?

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